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sexta-feira, 11 de maio de 2012

MEDIUNIDADE PRÁTICA

Olá,

 somos médiuns  durante as vinte e quatro horas de um dia.

Nos damos conta  disso?

Percebemos?


Mediunidade Prática

Vida e Mediunidade são um só objeto encarado de maneiras diferentes. Pensamos haver deixado isso bem claro no correr destas páginas. Até agora ainda não compreendemos bem esse problema, mas a sua compreensão neste momento em que as pesquisas científicas referendam a concepção espírita da vida e esta se apresenta como uma realidade mediúnica.



O ato de viver é um ato mediúnico. Somos espíritos que se manifestam através de corpos materiais. Nossa vida é uma alternância de sono e vigília. No sono estamos ausentes do médium, o intermediário entre nós e o mundo. Então o aparelho mediúnico repousa e nos afastamos dele para libertar-nos do seu peso e da sua pressão, respirando a liberdade do plano espiritual.

Na vigília voltamos ao corpo, imantados ao organismo que temos de usar e dirigir nas experiências e vicissitudes da vida. Mas esta alternância maior não é a única. Durante o sono acordamos algumas vezes, em lapsos de tempo imperceptíveis ou perceptíveis, como um navegante que se preocupa continuamente com o seu barco e não quer deixá-lo à deriva.

Durante a vigília escapamos do corpo mais do que supomos, nas ausências psíquicas, nos cochilos, nos chamados lapsos de distração, como se precisássemos olhar de vez em quando pela escotilha e observar o roteiro.


Karl Jaspers, psiquiatra e o mais lúcido filósofo existencial, estabeleceu a lei de alternância na definição da existência: a lei do dia e a lei da noite. A existência é apenas comunicação regida pela lei diurna, é ordenação das coisas buscando a liberdade e a claridade; a lei noturna é paixão, ímpeto de destruição, obscuridade, vinculação do homem à terra e ao sangue.

 A noite e o dia deixam de ser apenas fenômenos de rotação terrena, para marcar também os ritmos da transcendência humana, que se passa entre dois mundos solidários e contraditórios, nessa visão dialética da vida e da morte. Jaspers declara: "Eu sou existência".

Entende-se, assim, que a vida é comunicação da existência ou vice-versa. A mediunidade, como já vimos, é comunicação do espírito. No Espiritismo, o ser que se projeta na existência é espírito que anima um corpo, pelo que o espírito encarnado é a alma do corpo. Essa alma, entretanto, não permanece encarcerada no corpo e pode desprender-se dele (sem desligar-se) graças à lei de alternância que Jaspers percebeu e definiu em termos quase espíritas, sem conhecer o Espiritismo.

Sartre, antimetafísico, não aceita a existência da alma, essência da existência, e sustenta que a essência do homem é um suspenso na existência, pois o homem elabora a sua essência com as experiências e atividades na existência, de maneira que a essência do homem só se completa na morte e então substitui o morto. Nesse caso, a essência é o que o homem realizou no mundo e nele deixa para a posteridade.

Para Heidegger o homem se completa na morte. Essas coincidências com o pensamento espírita, na Filosofia Contemporânea, mostram a plena atualidade do pensamento espírita e sua eficácia na inter-pretação do real. Enquanto isso alarga-se desastrosamente profunda vala aberta entre a realidade cultural contemporânea e as forças unidas que há mais de um século se conluiaram para esmagar o Espiritismo. Esse fato, por si só, devia ser suficiente para mostrar de que lado, como dizia Kardec, está o bom-senso.

Na teoria diurna e noturna de Jaspers há um ponto importante a esclarecer. A interpretação espírita da lei notâmbula não lhe dá o caráter de necrofilia destruidora que a tendência psiquiátrica de Jaspers lhe conferiu. De maneira menos dramática e mais natural, a noite é considerada no Espiritismo como fecunda e criadora.

O repouso noturno favorece o repouso do corpo e conseqüentemente o desprendimento do espírito, que nada tem a recuperar no sono. O cansaço é um fenômeno físico, não espiritual. O cérebro se cansa e desgasta, mas a mente, que não é física, nada sofre.

Durante o ritmo noturno os espíritos suficientemente evoluídos recuperam a liberdade e entram em relação direta com os espíritos libertos de mortos e de vivos. A liberdade é atributo do espírito. Os videntes de maior sensibilidade captam no ritmo noturno um impulso ascensional, em que milhões de almas se elevam aos planos espirituais na busca de amor e saber. Vão encontrar-se com os seres queridos levados nas asas da morte e beber a sabedoria dos espíritos superiores sobre os segredos da vida.

O que levou Jaspers à idéia de um sentido necrófilo e destruidor no ritmo noturno foi certamente a impressão de que os homens se entregam a uma espécie de negação da vida, fechando-se no sono ou entregando-se a ações degradantes, acobertados pela escuridão. Essa é a falsa impressão das aparências.

A noite, além disso, é propícia aos trabalhos mentais e intelectuais, à cogitação filosófica, à busca serena da verdade que as tropelias do dia obscurecem. A ligação do homem com a Terra e o sangue caracteriza o ritmo diurno, quando o espírito encarnado se integra na realidade carnal e terrena, lutando para dominá-la. Esses enganos filosóficos decorrem da posição materialista do pensamento atual, que não obstante é muito mais favorável à conquista do real, por desvencilhar-se dos resíduos mágicos e mitológicos do longo passado humano, criador de superstições e preconceitos.

Também na Cultura, portanto, temos os dois ritmos no plano histórico: o dia sensorial das fases pragmáticas, em que os homens se desgastam na conquista da Natureza, e a noite espiritual das fases idealistas, em que os homens se voltam para a realidade platônica do Mundo das Idéias e conseguem realizar os sonhos noturnos, as utopias de antigas aspirações, lançando-se ao Cosmos e pisando na Lua.

É fácil perceber-se no jogo de imagens sugerido pela teoria de Jaspers, que a noite e o dia tendem a fundir-se na realidade única da temporalidade, do tempo contínuo e sem limites, sem fracionamentos sensíveis, inteiro e pleno no inteligível, com que o Espiritismo nos acena para o futuro humano. A dialética dia-noite reconstrói a síntese do tempo, na liberação progressiva e alternada das potencialidades do espírito.

É para chegarmos lá, não isoladamente, um por um, no egoísmo da salvação pessoal das seitas fideístas, mas em conjunto, na conquista comum do real em sua globalidade, que necessitamos de compreender a prática espírita e empregá-la em nossas existências sucessivas. Não se trata da prática formal nas instituições doutriná-rias, mas da prática vivencial na luta do dia-a-dia. Temos de aprender a viver o Espiritismo, usando normalmente a faculdade humana da mediunidade estática ou generalizada, de que todos dispomos. Assim como usamos a inteligência, o bom-senso, o critério lógico, a percepção extra-sensorial, todas as modalidades da atividade espiritual em nossa vida diária, precisamos também usar a mediunidade.

Ao descobrir a ponta desse fio de Ariadne no labirinto do mundo estaremos capacitados a escapar do Minotauro e atingir a porta da libertação. Para isso não precisamos de técnicas especiais e complicadas, basta-nos tomar consciência de nossas possibilidades. A mediunidade não nos foi dada para falar com os mortos, pois os mortos estão mortos e não falam, são cadáveres que as entranhas da Terra devoram lentamente nos cemitérios ou apenas a cinza sutil das cremações.

A mediunidade nos liga aos espíritos, que são os vivos libertos da matéria densa e em plena atividade na face espiritual do mundo, que só não percebemos porque vivemos imantados ao magnetismo terrestre. Temos de perceber a função discriminadora da consciência e aprender a usá-la em todos os instantes, com a mesma naturalidade e continuidade com que usamos as funções mentais. Quando fazemos isso o mundo se transforma ao nosso redor e o Espiritismo nos aparece transfigurado como o Cristo no Tábor. Deixamos de ver apenas o Espiritismo prático em que a mente se enleia como em toda a praticidade, absorvendo-nos em preocupações egocêntricas, na busca de auxílios imediatistas, de proveitos pessoais, de soluções ilusórias para problemas reais.

Deixamos de ser os choramingas e pedintes de todos os instantes, de olhos vendados- pelo medo, e aprendemos a encarar a vida com a mente aberta e confiante, não mais confinada em nossas preocupações imediatistas, não mais presa na teia da avareza, da ganância, da rivalidade, das disputas vaidosas. A rotina espírita das perturbações se transforma na vivência espírita da paz compreensiva e rica de possibilidades espirituais.

Tendo compreendido a finalidade da doutrina em seu sentido cósmico, não apenas terreno, sentimo-nos capazes de enfrentar as dificuldades do momento sem perder a visão do futuro. À percepção mediúnica da realidade maior que nos cerca, do sentido da vida, da nossa natureza íntima, tão diferente da natureza material do corpo, nossas angústias e apreensões desaparecem ao sopro do espírito que tudo renova. Muitos espíritas procuram técnicas de libertação em tradições religiosas de outros povos, sem compreenderem que as técnicas se ajustam a cada povo em sua maneira de ser, em suas tradições, e que a nossa maneira e tradição ocidentais se ligam ao Cristianismo. Não se trata de um exclusivismo cristão pretensioso, estimulado pelo salvacionismo egoísta das igrejas cristãs, imposto dogmaticamente, mas de uma questão de fidelidade a nós mesmos, ao nosso modo ocidental de ser, às exigências profundas da nossa condição específica.

O Espiritismo é o desenvolvimento histórico e profético do Cristianismo. Histórico na sucessão dos tempos, no lento e penoso desenvolvimento da Civilização Cristã, que ainda não superou a condição de esboço, mas já estendeu sua influência a todo o mundo. Profética no sentido real, objetivo, sem a mística deformadora das igrejas, de cumprimento da Promessa do Consolador, do Paráclito, do Espírito da Verdade que viria restaurar o ensino legítimo do Cristo. Tudo isso tem de ser encarado de maneira racional, sem nos deixarmos levar por atitudes místicas. Só assim poderemos ver que temos em mãos a chave que buscamos em porta alheia.

Nossa vida não é material, é espiritual e como tal regida pela mente. Alimentamo-nos de matéria para sustento do corpo, mas vivemos de anseios, sonhos, aspirações, idéias e impulsos espirituais que brotam do nosso íntimo ou nos chegam em forma de sugestão e, às vezes, de envolvimento emocional do meio em que vivemos, das mentes encarnadas e desencarnadas que nos cercam e convivem conosco.

A técnica espírita é simples e natural. Basta-nos lembrar que somos indivíduos e não massa, que a nossa individualidade é definida e nos caracteriza como personalidades livres e responsáveis. Tomando consciência disso deixamos de nos entregar a influências estranhas, assumimos a jurisdição de nós mesmos, tomamos o volante do corpo em nossas mãos e aprendemos a guiar-nos com a lucidez necessária. Aprendemos a distinguir as nossas idéias das idéias que nos são transmitidas pelos outros. Podemos examinar tudo, como ensinava o Apóstolo Paulo, sabendo que tudo nos é lícito mas nem tudo nos convém. Exercitando esse critério íntimo conseguimos adestrar-nos na direção de nossas intenções, repelindo tudo o que possa prejudicar os outros e aceitando apenas o que nos ajude a ser mais úteis ao mundo.

A prática espírita da vida supera a pouco e pouco a nossa insegurança, os nossos desajustes, reequilibrando-nos em nossa personalidade. A mediunidade é a nossa bússola e devemos aplicá-la sem complicações em nossa conduta. Mantendo a mente livre e confiante – livre do medo, das desconfianças infundadas, da pretensão vaidosa, dos interesses mesquinhos, e confiante nas leis da vida e na integridade do ser – tornando nossa mente aberta e flexível. Nossa potencialidade mediúnica nos proporcionará as intuições claras da realidade antes confusa, a captação fácil das sugestões amigas, a percepção direta e profunda dos rumos a seguir em todas as situações.

Mediunidade é isso: o aflorar na consciência das forças e vetores que formam a riqueza insuspeitada do nosso inconsciente. A comunicação mediúnica, no plano interno das relações anímicas, é a inspiração que nos guia no momento certo. A mecânica e a dinâmica desse processo, descritas por Frederic Myers, depende das condições favoráveis que criarmos em nossa mente e em nossa afetividade, sob o controle da razão. Facilitadas conscientemente por nós essas condições necessárias, o ato mediúnico se realizará em nosso mundo íntimo.

Quando concentramos o pensamento de maneira tensa na solução de um problema, a nossa mente se fecha sobre si mesma, como a carapaça de uma tartaruga que se defende de ameaça de fora. Impedimos o fluxo livre do pensamento. Essa concentração nos isola em nossa angústia, em nosso desespero. Tudo então se torna difícil e escuro ao nosso redor, tudo se amesquinha. Mas quando encaramos um problema sem aflição, de mente aberta e confiante, as vozes internas conseguem soar em nossa acústica mental e a vida nos revela as suas múltiplas e ricas perspectivas. A mediunidade não é apenas um meio de comunicação com os espíritos. Ela é comunicação plena, aberta para as relações sociais e para as relações espirituais.

No capítulo destas, figura em destaque, pela importância que assume em nosso comportamento individual e social, a atividade mediúnica interior, em que a essência divina do homem se comunica com a sua essência humana. É esse o mais belo ato mediúnico, o fenômeno mais significativo da mediunidade, aquele que mais distintamente nos revela a nossa imortalidade pessoal.

Jesus perguntou aos fariseus que se conturbavam com a afirmação da sua própria divindade – não como parte de Deus, mas como criatura de Deus: "Não está escrito em vossas escrituras que vós sois deuses?". Estava e está, mas eles não compreendiam isso, pois estavam imantados à sua humanitude terrena, imantados à condição carnal. A prática mediúnica informal, realizada permanentemente em nosso viver e em nosso existir (que é viver conscientemente) nos mostra a face desconhecida do Espiritismo. Viver mediunicamente não é viver envolvido por um espírito estranho, mas viver na plenitude do nosso espírito aberto para as relações mediúnicas internas e as percepções mediúnicas externas.

A tranqüilidade, a segurança, o saber, o equilíbrio que buscamos estão em nós mesmos. Podemos e devemos ser os médiuns da nossa natureza divina, soterrada em nós pelo nosso apego aos formalismos, à magia sacramental e à idolatria. Essas coisas não são condenáveis pelo que são, mas pelo que não são. Elas nos iludem com as suas fantasias e nos desviam da confiança em nossa divindade.

A lição de Kardec é clara e tirada de seus estudos, de suas pesquisas, de sua observação, de sua inteligência genial: ritos e palavras mágicas, sinais, objetos sagrados, danças e cantos, queima de velas, plantas, pólvora e outros ingredientes nada valem para os espíritos. O que vale é o pensamento, o sentimento, a autoridade moral dos que aplicam a mediunidade a serviço exclusivo do bem. Enquanto não compreendermos essa verdade não compreenderemos também o Espiritismo e não saberemos praticá-lo, como as gerações de dois mil anos, com seus teólogos e ministros de Deus, não compreenderam o Cristianismo.

Nossa divindade interna é potencialidade, não ato. Mas quando nos afastamos das exterioridades e procuramos a verdade em nosso coração e em nossa mente, de maneira sincera, a nossa divindade se atualiza em nós, transforma-se em ato, em realidade e nos coloca acima de todas as fantasias ilusórias dos tempos primitivos. A mediunidade se abre para as intuições da verdade, ou seja, daquilo que realmente existe, iluminando a nossa existência e afastando-nos da vaidade pretensiosa, do orgulho vazio, das encenações ridículas. Os espíritos superiores – diz Kardec – são como os homens superiores: não se interessam por fantasias e não se interessam por nossos louvores interesseiros. Estão prontos a auxiliar os que buscam a verdade, o conhecimento legítimo, o amor puro, mas distanciam-se dos que pensam conquistá-los com homenagens tolas. Se nos deixarmos levar por palavrórios eloquentes, ao invés de pensar com seriedade nos princípios da doutrina, ficaremos com os palavrórios. Cada qual escolhe o que quer e não tem do que reclamar. A escolha é nossa, mas as consequências decorrem das leis naturais que são as próprias leis de Deus na estrutura do Universo ou na estrutura da nossa consciência.

A mediunidade prática é a prática mediúnica individual e permanente, um manter-se alerta ante o momento que passa, carregado de excitações sensoriais e rico de percepções espirituais. Esse estado de alerta não deve ser forçado, mas mantido com espontaneidade. Para estarmos mediunicamente alertas basta não nos entregarmos à hipnose da matéria, não nos apegarmos apenas à realidade exterior, percebendo ao mesmo tempo a nossa realidade interna, o fluir das idéias nossas e alheias pela nossa mente, sabendo distingui-las.

 Para isso, é claro que os princípios da consciência, vigias constantes do nosso modo de ser e portanto do nosso comportamento, devem ser bem definidos em nossa compreensão doutrinária. Tudo isso não é possível quando já nos entregamos à atuação de espíritos perturbadores ou às nossas próprias inquietações. Nesse caso temos de recorrer aos trabalhos mediúnicos da prática comum, num grupo em que a doutrinação seja praticada à luz do Evangelho. Quando assim nos livrarmos das interferências dos outros e de nós mesmos, voltando à normalidade, então poderemos colocar-nos nessa posição de permanente vigilância que nos ajudará a manter a serenidade espiritual necessária.


É necessário compreender que não se trata, neste caso, de uma prática mediúnica permanente, o que seria absurdo. Kardec tratou suficientemente, em O Livro dos Médiuns, da inconveniência de excessos na prática mediúnica. Tratamos aqui de uma aplicação dos princípios espíritas à realidade existencial, a partir do princípio de vigilância. “Vigiai e orai”, ensinou Jesus. Fazemos por um instante abstração das manifestações mediúnicas propriamente ditas – como advertiu Kardec textualmente – para raciocinar por indução sobre as consequências a atingir na mediunidade prática.

Usamos o sistema de Kardec no exame do problema da alma e sua natureza. Não tratamos dos médiuns específicos do mediunato, mas dos médiuns comuns da mediunidade generalizada. Não se trata de buscar o maravilhoso, mas de conhecer e aproveitar na vida diária a maravilhosa contribuição da faculdade mediúnica, que pode livrar-nos de perturbações e obsessões de toda a espécie. Assim como usamos o bom-senso permanentemente no julgamento das coisas e fatos, a razão no discernimento, a visão na discriminação dos objetos e seres, assim também podemos usar permanentemente a faculdade mediúnica na percepção da realidade dupla em que vivemos: a interna e a externa, a espiritual e a material, conjugando-as numa percepção global, de tipo gestáltico.

É isto o que hoje se procura nas seitas e religiões orientais que dispõem de técnicas espirituais para abrir e fechar chacras e coisas semelhantes. Alega-se que não temos nada disso no Espiritismo, que só trata de manifestações de espíritos através de um processo de submissão mediúnica aos comunicantes. Na verdade, o método espírita é o contrário disso: sujeita-se o espírito ao médium, que deve ter o controle da manifestação. E no tocante ao uso da mediunidade generalizada ou estática, existente em todas as criatu-ras, afirma-se que ela serve apenas para permitir casos de obsessão. Mas se a mediunidade é uma faculdade humana natural, como Kardec a classificou, é evidente que as suas funções se desenvolvem em nós permanentemente, sem o percebermos.

Esse problema foi explicado por Kardec, mas não cogitamos suficientemente das suas consequências. Elas se tornam claras quando procuramos examiná-las à luz do princípio de vigilância. Da mesma maneira como estamos de ouvidos atentos ao atravessar as ruas das grandes cidades, pois a visão somente não basta para prevenir-nos dos vários perigos, devemos também estar atentos às excitações e desafios do dia-a-dia, para perceber a realidade total do momento que passa e evitar os seus perigos, dando mais aten-ção à percepção mediúnica. À prática permanente das demais faculdades, devemos juntar a mediunidade prática em nossa relação permanente com as coisas e os seres.

Não estamos ensinando uma técnica de aperfeiçoamento místico, mas apenas o uso necessário, que muitas pessoas já fazem, naturalmente, da percepção mediúnica consciente. Passamos do descuido para o cuidado, da desatenção para a atenção. Não se trata também de desenvolver poderes psíquicos, mas de usar os poderes que já possuímos desenvolvidos. O que acontece no meio espírita é uma acomodação aos princípios doutrinários mal conhecidos, sem a preocupação do estudo global e sistemático, para mais profunda compreensão da doutrina. Esse comodismo favorece o aparecimento de pretensas inovações doutrinárias, sem a assimi-lação do espírito da doutrina. Por outro lado, a fuga deprimente dos comodistas para o sincretismo e suas práticas primárias do mediunismo. Para modificar essa situação temos de agitar as águas no bom sentido, chamando a atenção para aspectos da doutrina que passam inteiramente despercebidos. Entre esses está o da mediunidade generalizada que procuramos tratar neste capítulo em primeira abordagem.

Podemos ir ainda mais longe e perguntar: quem se conhece a si mesmo e pode avaliar-se com segurança?
Se os nossos estudos e as nossas práticas espíritas ainda não nos deram sequer a compreensão da inferioridade do nosso planeta, da precariedade dos juízos humanos, da nossa incapacidade para dominar os problemas de ordem superior do plano espiritual, é evidente que precisamos de uma revisão imediata e profunda da nossa posição doutrinária.

Nessa mesma linha de pensamento devemos encarar os problemas do conhecimento de nossas encarnações anteriores. Essa questão vem também servindo como possível critério avaliativo de médiuns e pregadores. Estes, por sua vez, encontram apoio para a sua possível autoridade na doutrina em suas possíveis lembranças de vidas anteriores. Mas de que recursos dispomos para penetrar com segurança nesse problema, investigando as nossas vidas passadas e até mesmo as vidas passadas dos outros?
O único critério de que dispomos nos foi dado sabiamente por Kardec: examinarmos as nossas condições atuais para sabermos em que condições vivemos no passado remoto. Esse critério se baseia no princípio da evolução e no imperativo do conhece-te a ti mesmo. Mas a nossa ignorância em relação à posição do Espiritismo no mundo é tanta que nos esquecemos da inutilidade dos títulos e posições do passado para querer saber quem fomos e não o que fomos.

 Queremos ter a certeza, mesmo através de uma auto-sugestão, de que fomos esta ou aquela figura histórica importante – um príncipe, um cardeal ou pelo menos o seu assistente, uma rainha ou um grande guerreiro – porque assim nos sentimos maio-res e fazemos que os homens atuais nos considerem com mais respeito. Isso quer dizer simplesmente que trocamos os valores espirituais por valores materiais peremptos. Não perguntamos pela nossa humildade, moralidade, espiritualidade, bondade e pureza no passado. Perguntamos pela vaidade, arrogância, criminalidade e imoralidade. Sabemos muito bem que os grandes de ontem, na trágica história humana, foram ferozes dominadores e queremos nos apresentar ainda hoje com as insígnias da grandeza brutal de outros tempos.

Como dizia Aristides Lobo, o grande jornalista paulistano, materialista e tradutor de obras filosóficas, que acabou aceitando o Espiritismo e proferindo na Biblioteca Municipal uma memorável palestra sobre a sua conversão: "O que estranho no meio espírita é que tenho encontrado muitos patifes reencarnados, mas nenhum camponês ou lixeiro honesto".
Se nos fosse benéfico lembrar as encarnações anteriores, é e-vidente que as lembraríamos. Essas lembranças estão em nós mesmos, gravadas em nossa consciência profunda. Mas em nosso benefício as lembranças do passado são filtradas ao passar da consciência subliminar à consciência supraliminar. O filtro protetor só permite que passem pela linha divisória de limiar os resultados de nossas experiências anteriores em forma de aspira-ções, aptidões, tendências, vocações, e sobretudo os propósitos de não regredirmos jamais àquelas condições negativas que devemos esquecer. Este problema das reencarnações anteriores é sempre disfarçado pela declaração de que a lembrança serve para provar o princípio da reencarnação.

 Na realidade, o que em geral se busca não é isso, mas uma base maior e tanto mais impressionante quanto aureolada pelo maravilhoso, para o nosso prestígio atual no meio espírita. Esquecemo-nos, porém de que a revelação dessas supostas lembranças serve também para nos ridicularizar ante os espíritas de bom-senso e a grande maioria não-espírita. E o que é pior: servem para ridicularizar a teoria da reencarnação e o próprio Espiritismo perante os meios culturais.

Acontece o mesmo na questão dos passes. É natural a nossa tendência para a simulação, o disfarce. Ingeniero dedicou volumoso estudo a essa questão. Nas competições da vida tem muita importância a aparência. Somos sempre tentados pelo prestígio das aparências. O funcionário subalterno de uma repartição pública aturde o público com exigências de toda espécie, inteiramente desnecessárias, para fazer valer a importância do seu cargo, o que vale dizer a sua importância. Formam-se ordens honoríficas numerosas para conceder comendas e latarias variadas aos compradores de importância.

Pessoas de poucos recursos gastam o que não podem para falar grosso no meio social. É conhecida a preferência dos homens de pequena estatura pelos automóveis rabo-de-peixe. As Universidades se enchem de alunos que lutam para a conquista de um título que lhes dê prestígio, pouco interessados no conhecimento a adquirir, no seu desenvolvimento cultural. Os fardões acadêmicos transformam muitos escritores de valor em múmias comedoras de bolacha. É tão natural essa tendência que geralmente não se percebe o ridículo de todas essas coisas. É também natural que essa tendência exista no meio espírita, apesar de todas as advertências doutrinárias sobre a efemeridade das glórias mundanas.

O exemplo de Jesus, o rabi popular que não procurou as investiduras do Templo, foi soterrado pelas honrarias de após morte que lhe conferiram, transformando-o até mesmo num terço de Deus. Ora, uma terceira parte de Deus projetada na Terra podia dar-se ao luxo de não ligar para as coisas do mundo. Mas nós os homens, não podemos fazer isso. Toda a suntuosidade do Templo e das suas prerrogativas, que Jesus rejeitou, foi transformada na suntuosidade das igrejas cristãs e nas ordenações sacerdotais, com sua hierarquia e seu ritualismo complicado.


No Espiritismo os homens não iriam perder de um momento para outro essa tendência da espécie. Como a doutrina não permite as regalias do sistema igrejeiro, era necessário arranjar alguns substitutivos. Um deles, é o das graduações mediúnicas e das reencarnações suntuosas. Surgiram e surgem constantemente as complicações da prática. O passe tornou-se popular por sua eficá-cia. Mas é tão simples um passe que não se pode fazer mais do que dá-lo. Criaram-se então as complicações. São necessários cursos especiais, com lições de anatomia e fisiologia, para que uma criatura de boa-vontade estenda as mãos sobre uma cabeça sofre-dora. Mas como impor as mãos é coisa muito simples, criaram-se também as técnicas do passe, com palavrórios fantasiosos e gesticulação de ginástica sueca, que os humildes passistas têm de aprender com especialistas em educação física. Veja-se a mistura que se conseguiu fazer, numa espécie de liga metálica em que entram diversos reforços. O resultado foi a transformação do passe numa exibição de habilidades em ritmo de balé. Ninguém se lembra de que o passe não é uma técnica, mas uma doação fluídica de amor. O passe espírita é apenas a imposição das mãos ensinada e praticada por Jesus. Não é passe magnético, é passe mediúnico. A palavra mediúnico já diz que não é o passista quem dá o passe, são os espíritos através dos médiuns. Um passista é um médium e pede a assistência do seu guia ao dar o passe. Mas quando o guia encontra o passe estilizado, padronizado, transformado num ritual de candomblé, desiste e espera que o sofredor procure um local de simplicidade cristã, em que ele possa agir com eficácia.

Os círculos mediúnicos com o paciente no meio pressupõem uma concentração de forças. Os médiuns já não são mais médiuns, são pilhas elétricas fornecedoras de energias. Não são os espíritos que sabem o que o doente precisa. São os bisonhos aprendizes de anatomia e fisiologia, de magnetismo e ginástica com subsídios de bailados rituais dos templos egípcios. As pessoas que desejam realmente iniciar-se no Espiritismo devem compreender, antes de tudo, que Espiritismo é simplicidade e bom-senso. Fora disso o que temos são encenações que desvirtuam a doutrina. São essas invigilâncias que ameaçam a prática espírita. Ninguém deseja que os espíritas sejam ignorantes, mas é evidente que devem ser simples e humildes, compreendendo que nem Salomão se vestia com a beleza das flores simples do campo. Temos de superar o fermento dos fariseus, se quisermos realmente fazer-nos dignos do Espiritismo.

José Herculano Pires  Livro  "Mediunidade".

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